Conhecida como Metalurgia Casal, a maior empresa portuguesa do setor das duas rodas é conhecida essencialmente por uma mota: a Casal Boss.
No entanto, além de se ter imposto no mercado nacional, conseguiu a proeza única no setor da indústria dos motores de também conseguir expandir-se internacionalmente.
Infelizmente, o percurso da empresa raramente foi fácil e desde a sua “criação” em 1953 até ao encerramento da empresa em 2000 muitas são as histórias por descobrir. Portanto, neste artigo, procurámos apelar ao saudosismo do leitor enquanto nos aventuramos pela história da Metalurgia Casal, da famosa rivalidade com a Famel Zundapp, da introdução e evolução da Casal Boss, e ainda da queda depois da Revolução do 25 de Abril e com a introdução de Portugal na CEE.
Casal Boss: Motos com história
Metalurgia Casal: criação
O nome da empresa é uma homenagem ao seu fundador, João Francisco do Casal – um homem com um forte espírito empreendedor e aventureiro. Nasceu em 1922, em Aveiro. Depois de terminar os estudos foi trabalhar para os caminhos de ferro em Peso da Régua.
Mais tarde, em 1945, a convite de António Marabuto, fundou uma empresa de comércio de mercearias, trocando essa por outra do mesmo ramo que mais tarde viria a fundar, demonstrando já nessa altura o seu empreendedorismo. Aliás, foi através do seu percurso nestas empresas que João Casal passou a viajar regularmente à Alemanha, na tentativa de exportar produtos alimentares.
Acredita-se que terá sido numa dessas viagens que terá entrado em contacto com a indústria motociclistica e automobilistica Alemã. Terá sido, também, esse mesmo contacto, associado ao seu espírito aventureiro e empreendedor, que o levou a fundar uma empresa de motorizadas em Portugal.
União com a Zundapp
Portanto, tudo começou em 1953, altura em que pediu autorização ao governo Português para exercer a montagem de motorizadas com motor alemão Zundapp. Porém, devido à pressão exercida pelas empresas Famel e pela Vilar o pedido foi negado.
No entanto, o sonho de João Casal não ficaria por aí. Em 1954, o próprio desloca-se à feira de Hanôver para estabelecer contactos com a a marca alemã. Interessada em arranjar um representante que comercializasse a sua linha de produtos, a Zundapp acaba por aceitar e em 1957 João Casal consegue finalmente uma licença de representação dos motores Zundapp em Portugal.
Em 1961, João Casal, dois irmãos e um primo, fundam a Casal Irmãos e Companhia (mais tarde Veículos Casal). Esta firma cria outra, a Motosal. A Motosal comprava quadros à Vilar e montava-os com motor Zundapp. Para vender os seus produtos, criaram um circuito de distribuição que asseguravam a distribuição por todo o país. O objetivo tornava-se claro. Pegar nas motorizadas da Zundapp, melhorá-las e vendê-las em Portugal.
Apesar de ter conseguido ser a representante da Zundapp em Portugal, faltava a licença para poder produzir motorizadas adaptadas – o tal objetivo. No entanto, foram várias as empresas que se opuseram aos vários pedidos de João Casal, argumentando que mais uma concorrente colocaria em causa as fábricas já existentes. Entre elas encontravam-se: a Famel; Quimera Alma; Pachancho ; Miralago e Rufino de Almeida.
Prenúncios de problemas com a Zundapp
Pressionado, o governo português, em plena Guerra Colonial, informa João Casal que seria difícil conceder licenças de importação, e por conseguinte passaria a haver também dificuldades na importação de motores Zundapp.
No entanto, o governo português lançou, ainda assim um desafio a João Casal: construir os seus próprios motores. Acabavam-se, portanto, os problemas com as licenças de importação e deixava-se de enviar divisas importantes para a Alemanha, resultante da importação de motores.
Contudo, João Casal, tinha uma opinião diferente. Pretendia fabricar motores Zundapp até 250cc sobre licença, com a maior parte das peças a serem produzidas em Portugal e as restantes a virem da Alemanha. Mas somente nos primeiros 2 anos. Depois desse período, que serviria para análise dos motores, estes passariam a ser totalmente produzidos em Portugal.
Separação e rivalidade com a Zundapp

Foi assim que finalmente João Casal conseguiu o alvará de construção de motores até 250 cc. Porém, a Zundapp, não estava interessada em perder a exportação dos seus motores alemãs e, por esse mesmo motivo, cortou relações com a Metalurgia Casal e fez da Famel o seu representante de motores em Portugal, dificultando claramente a adaptação dos motores e eventualmente levando à necessidade da criação de motores próprios.
Porém, nem tudo estava perdido. Entrou então em cena o Engenheiro alemão Robert Erich Zipprich, director técnico da Zundapp, que sempre tivera uma boa relação com João Casal desde os tempos em que este representava os motores Zundapp para Portugal. Descontente com a atitude da Zundapp, abandona a empresa alemã e opta por ir para Portugal trabalhar para a Metalurgia Casal.
Em junho de 1966 iniciou-se a produção da moto Casal e alguns meses mais tarde também a produção da scooter Carina (inspirada na Zundapp R50). Teve sucesso, satisfez um nicho de mercado de scooters de baixa cilindrada, satisfeito internamente unicamente pelas vespas da Piaggio.
Consagração da Metalurgia Casal
Em 1967 não só foram lançados os motores M151 e M148, e a famosa motorizada Casal K160, como se iniciaram contactos com vista a exportação de produtos para o continente Africano (nas antigas colónias Portuguesas) e o continente Europeu ( Holanda e Dinamarca), sendo que A Metalurgia Casal conseguiu ainda garantir presença nas feiras de Joanesburgo e Milão. Os dois anos seguintes, 1968 e 1969, foram de sucesso com a criação de mais motores e de duas novas motorizadas Casal: a K163 e a K181.
O início da década de 1970, até à Revolução do 25 de abril, serão marcados pela imposição da Metalurgia Casal, mas também pelas primeiras tentativas frutíferas e infrutíferas de expansão para o mercado internacional – neste último caso para Angola e Moçambique.
Ainda assim, em 1973, a Holanda, a Dinamarca e os Estados Unidos começam a tornar-se mercados de exportação dos produtos Casal. Mas é em 1974 que a marca finalmente se torna conhecida além fronteiras. Em 1974, o Jornal Motor Português, publicou um teste feito por uma equipa de técnicos Franceses, que ficaram maravilhados com a motorizada K187S, comparando as suas performances às de uma mota de 125cc.
Queda depois da Revolução
Porém, o 25 de Abril traria novas dificuldades à marca. Se, antes, teve de ultrapassar as dificuldades burocráticas internas, depois teria de competir com a abertura do mercado e a falta de apoio às empresas portugueses.
Até ao fim da década de 80, principalmente depois da entrada na CEE em 1986, Portugal seria invadido pelo mercado internacional e, um dos quais, acabaria por trazer enormes dificuldades à Metalurgia Casal. Falamos, neste caso, da exportação japonesa que trazia, não só, tecnologia avançada, como apostava numa técnica chamada “Dumping”, que basicamente é a venda de produtos a preços mais baixos do mercado.
Aliado ao facto de uma melhoria no estilo de vida português, que começava a apostar em automóveis em detrementos de motorizadas, isto afetou essencialmente a venda das motos da Casal – mais antigas, mais envelhecidas e menos atrativas para os jovens lusos – interessados no melhor a menor preço.
Só na década de 1990 é que as Metalurgias Casal conseguiriam dar, momentaneamente a volta e o fim, que parecia próximo – há distância de uma onda – já só se via quase em alto mar.
Casal Boss: a tentativa de salvação
Foi mais precisamente com o lançamento dos seguintes modelos: Casal K168 Boss e Super Boss, sendo este último modelo um autentico campeão de vendas, conseguindo assumir vários papeis e serviços para os mais variados grupos de pessoas.
Com 4cv e 50 cc, servia desde como a motorizada que levava o trabalhador ao emprego, à motorizada que levava o jovem à escola, até ao veículo do entregador de Pizzas. Foi sempre muito amada e ainda hoje é uma relíquia para os amantes portugueses de motos.
Porém, com a exceção da Casal K556 Magnum, baseada na Suzuki Wolf, com cinco velocidades e 7.5 cv, foram poucos os casos de sucesso dos lançamentos seguintes.
Queda anunciada
Além disso, a falta de condições de trabalho e os salários em atraso originaram várias greves nessa década, culminando em inícios de 2000, quando um grupo de investidores, constituído por Manuel Magalhães, Paulo Barros Vale, Rui Faria ( Casal) e as 3 irmãs Cunha (Famel), que juntamente com apoios do IAPMEI, decidem colocar um projecto de forma a salvar a Casal, a Famel e a Fundador.
O objetivo era empregar 230 pessoas, contra as 300 que as 3 fabricas possuíam. Além disso, procurava-se com este acordo terminar com as antigas rivalidades internas e pegar no melhor de cada uma das empresas nacionais e, juntas, remarem contra a corrente externa.
A Casal ficaria responsável pela produção dos motores (a sua especialidade), a Famel pelas motorizadas e a Fundador dedicar-se-ia à produção dos componentes.
Queda efetiva
Porém, em fevereiro do mesmo ano, a Metalurgia Casal encerrou as portas, devido a uma dívida para com a Carrefour. É que, em Maio de 1998, os terrenos da Casal foram vendidos por um milhão de contos (5 milhões de euros) à multinacional francesa e o prazo para entrega das instalações havia terminado há bastante tempo.
Isso levou a um grupo de credores entrar também em tribunal com um processo a exigir a cobrança das dívidas para com a Metalurgia Casal.
A fusão das três empresas estava, no entanto, ainda de pé, mas entretanto o Estado Português procurou alterar as regras de aquisição das três empresas, prejudicando com isso o grupo de investidores e consequentemente colocando em causa a sobrevivência desta Holding de marcas portuguesas.
Tentativas de regresso
Apesar das tentativas de novos investidores, como a Masac, apoios por parte do IAPMEI (Agência para a Competitividade e Inovação.) o facto de a Addemoto AB sueca começar a comprar peças à Metalurgia Casal e até à reivindicação dos meios de comunicação de que a venda do terreno da Metalurgia Casal à Multinacional Carrefour, não teria sido licita, pois o terreno teria sido vendido muito abaixo do seu real valor. Propunha-se que o real valor seria de três milhões de contos (15 milhões de euros) e não um milhão de contos (cinco milhões de euros).
Porém, em Abril de 2002, descobriu-se que a Carrefour destruiu os arquivos da Metalurgia Casal, onde se encontravam, entre outros, dois projetos que poderiam ter salvo a empresa: um automóvel – o primeiro da marca e um novo motor para motos, capaz de bater o recorde de velocidade do mundo.
Apesar de novas tentativas por parte de investidores apaixonados pela empresa portuguesa até 2004, a Metalurgia Casal nunca mais reabriu e, assim, ficaram apenas as memórias da história da mais importante marca portuguesa da Indústria automóvel.
Ainda assim, se quiser poderá comprar uma Casal Super Boss ou outra motorizada da empresa em segunda mão no Standvirtual. Os preços costumam rondar 750€. Um valor baixo para garantir uma verdadeira relíquia nacional.
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